A controvérsia analisada em recente julgamento de apelação cível envolvendo embargos de terceiro coloca em evidência um tema sensível do processo civil: os limites da penhora quando o bem constrito pertence a terceiro de boa-fé, em contexto de execução, recuperação judicial e alegação de fraude à execução. O caso revela como equívocos na análise documental e na cronologia dos fatos podem gerar grave cerceamento de defesa e comprometer a efetividade da tutela jurisdicional.
Pontos-chave
Embargos de terceiro como instrumento de proteção da posse e propriedade de terceiro estranho à execução
Inexistência de fraude à execução quando a aquisição do bem é anterior ao ajuizamento da demanda executiva
Possibilidade de juntada posterior de documentos essenciais, nos termos do art. 435 do CPC
Irrelevância da ausência de registro imobiliário diante da boa-fé do adquirente (Súmula 84 do STJ)
Limites da aplicação da Súmula 581 do STJ em contexto de recuperação judicial
Contextualização jurídica
Os embargos de terceiro, previstos nos arts. 674 e seguintes do Código de Processo Civil, constituem o meio processual adequado para que aquele que não integra a relação processual executiva defenda a posse ou a propriedade de bem indevidamente atingido por constrição judicial.
No tocante à fraude à execução, o art. 792, IV, do CPC exige, para sua configuração, não apenas a existência de demanda em curso, mas também a comprovação de má-fé, consubstanciada em conluio, simulação ou esvaziamento patrimonial doloso. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a mera relação de parentesco entre os envolvidos não presume fraude.
Além disso, a Súmula 84 do STJ assegura que o terceiro adquirente de boa-fé pode opor embargos mesmo sem o registro do título aquisitivo, desde que demonstrada a anterioridade da aquisição.
Desenvolvimento técnico
Cerceamento de defesa e juntada extemporânea de documentos
Um dos eixos centrais da controvérsia reside no indeferimento da análise de documentos essenciais, obtidos apenas no curso dos embargos, em razão de circunstâncias alheias à vontade da parte.
O art. 435, caput e parágrafo único, do CPC autoriza expressamente a juntada posterior de documentos quando comprovado que:
- não foi possível obtê-los anteriormente;
- os documentos são relevantes ao deslinde da controvérsia;
- não há intuito protelatório.
No caso, o próprio juízo de primeiro grau reconheceu a indispensabilidade dos documentos para o correto discernimento da causa, mas, contraditoriamente, determinou seu desentranhamento e julgou improcedentes os embargos por ausência de prova.
Cronologia dos atos e inexistência de fraude à execução
A análise cronológica revela:
2001 – celebração de instrumento de permuta envolvendo participações societárias e bens imóveis;
2004 – lavratura de escritura pública de compra e venda em favor do terceiro embargante;
2006 – ajuizamento da execução.
Diante dessa sequência temporal, não há como sustentar fraude à execução, pois a transferência da posse e da propriedade ocorreu anos antes do início da demanda executiva.
O equívoco do juízo singular decorreu da confusão entre a data da lavratura da escritura e a data de emissão de seu segundo traslado, posterior à execução, o que não altera a realidade jurídica do negócio celebrado.
Recuperação judicial e limites da Súmula 581 do STJ
Outro ponto relevante foi a aplicação inadequada da Súmula 581 do STJ, que trata da possibilidade de prosseguimento da execução contra avalista mesmo diante da recuperação judicial do devedor principal.
No entanto, no caso concreto:
- o crédito foi habilitado na recuperação judicial;
- o credor aprovou o plano;
- houve satisfação do crédito mediante dação em pagamento.
Aspecto crítico do caso:
A manutenção da penhora sobre bem que já integrava o patrimônio de terceiro de boa-fé, além de ignorar a novação decorrente do plano de recuperação, gera indevida sobreposição de garantias e viola a segurança jurídica.
Análise crítica fundamentada
Ponto de atenção:
A desconsideração da cronologia documental e o indeferimento da prova essencial configuram risco concreto de injustiça processual, com impacto patrimonial direto sobre terceiro alheio à execução.
Risco processual relevante:
A banalização da fraude à execução, sem prova de consilium fraudis, compromete a previsibilidade das relações imobiliárias e enfraquece a confiança nos negócios jurídicos formalizados.
Aspecto crítico do caso:
A relação de parentesco, isoladamente, não supre a ausência de prova de simulação ou conluio, sobretudo quando os atos negociais são muito anteriores à execução.
Conclusão
A procedência dos embargos de terceiro, ou ao menos a anulação da sentença por cerceamento de defesa, impõe-se como medida de rigor. A proteção do terceiro de boa-fé, a correta aplicação do art. 435 do CPC e a observância da cronologia dos fatos são essenciais para garantir a efetividade da tutela jurisdicional e evitar constrições patrimoniais manifestamente ilegítimas.
Defesa técnica da propriedade frente a execuções indevidas
A constrição de bem pertencente a terceiro de boa-fé, fundada em leitura equivocada da cronologia dos fatos ou em aplicação automática de súmulas, representa risco patrimonial significativo e exige atuação processual estratégica e imediata. Casos dessa natureza demandam análise minuciosa da prova documental, da recuperação judicial envolvida e da real incidência da fraude à execução.
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